As companhias aéreas brasileiras trabalham com margens extremamente apertadas e muito baixas diante do senário desafiador que é o setor aéreo em si. No Brasil o desafio é maior.
Embora as dificuldades não sejam diferentes em outras partes do mundo, o Brasil tem suas dificuldades e desafios únicos e é importante entender o quão desafiador é operar uma companhia aérea, afinal nem o renomado empresário Donald Trump aguentou gerenciar uma companhia aérea.
ENTENDA
O custo de capital, mão de obra, carga tributária, processos contra as aéreas e muitos outros, formam um emaranhado de obstáculos que imprime um grande desafio às aéreas e que compõe o custo Brasileiro de se operar uma companhia aérea no Brasil.
Vamos falar de alguns desses adversários e um deles, é um grande participante do mercado de aviação comercial e que foge do controle de qualquer gestor de companhia aérea e que também está fora do controle dos pilotos nesta rota de conduzir uma aérea com eficiência, o Dólar.
O DÓLAR
Operar uma companhia aérea é um grande desafio para um gestor em função da grande complexidade e combinação de variáveis que formam um emaranhado para que um avião decole. Agora multiplique esses números pela quantidade de aeronaves que uma companhia aérea opera. Vamos aos fatos, um desses desafios que torna tão complexo esse jogo é o Dólar.
O dólar gera um impacto profundo sobre as operações de uma companhia aérea brasileira, principalmente por conta de sua influência direta em vários custos e despesas. Podendo chegar a 70% dos custos operacionais em Dólar, essa dependência significa que flutuações cambiais podem ter um impacto direto nos resultados financeiros.
Então embora a empresa possa ter apresentado lucro operacional, no frigir dos ovos o lucro liquido pode não existir, representando um prejuízo para a companhia aérea.
Essa grande quantidade dos custos que estão atrelados ao Dólar representa um dos grandes motivos que as companhias aéreas são negócios intensivo de capital, que sempre estão necessitando de aportes e injeções extras para seu funcionamento. Logo, qualquer flutuação da moeda do tio San para cima pressiona mais ainda as companhias aéreas Brasileiras.
” Se você quiser ser um milionário siga os seguintes passos. Primeiramente seja um bilionário, em seguida abra uma companhia aérea, automaticamente em pouco tempo você será um milionário “
O sentido dessa frase, que certamente não foi exatamente com essas palavras, foi cunhado pelo empresário Richard Branson quando dos primeiros passos de sua companhia aérea a Virgin.
Mas o Dólar não é o único vilão nessa luta pela sobrevivência das companhias aéreas, o custo do combustível que abastecem as aeronaves também representam um custo considerável.
Abaixo detalho esses principais vilões:
CUSTO DE COMBUSTÍVEL DE AVIAÇÃO
Você sabia que existe mais de 7 tipos de combustível voltados para motores a jato e que são empregados na aviação? Pois bem, os 3 principais tipos são os combustíveis : Jet A, Jet A-1 e o Jet B.
- Jet A é utilizado em aeroportos com climas frios, como no Canadá, Estados Unidos pois possui um ponto de congelamento de -40ºC.
- Jet A-1 que também é mais conhecido como QAV-1, é o querosene tradicional utilizado em motores a turbina, possuindo um ponto de congelamento de -47ºC.
- Jet B é o mais complexo dos três, sendo altamente volátil e suportando temperaturas extremas. É utilizado em regiões como a Groelândia e a Sibéria, ou seja localidades de frio extremo.
O combustível de aviação é um dos maiores custos para as companhias aéreas, e seu preço é atrelado ao dólar no mercado internacional. Mesmo que a empresa opere principalmente em território brasileiro, ela precisa adquirir combustível com base no valor da moeda americana. Isso significa que uma desvalorização do real em relação ao dólar pode aumentar significativamente o custo operacional da empresa aérea.
No gráfico abaixo, retirado do site de relacionamento com investidores da Gol Linhas Aéreas, podemos observar a que o combustível de aviação representar quase 46% do custo operacional.
Pela planilha, na ultima linha da coluna do ano de 2023, é possível observar que no ano de 2023 a companhia aérea teve despesas de quase 13 bilhões de reais, enquanto o combustível, demonstrado pela segunda linha referente a coluna do ano de 2023, gerou um custo de quase 6 bilhões.
LEASING E MANUTENÇÃO DE AERONAVES
O Leasing é o arrendamento da aeronave para uma companhia aérea brasileira. Ele é um aluguel! Por ser um tipo de negócio intensivo em capital, a gestão moderna de companhias aéreas optam pelo aluguel da aeronave uma vez que não direciona uma quantidade vultosa de capital em um único ativo, que é a aeronave.
Ele é um modelo de contratação em que uma companhia aérea aluga uma aeronave de uma empresa de leasing, que é proprietária da aeronave, em vez de comprá-la. Esse arrendamento permite que a empresa aérea utilize a aeronave por um período específico em troca de pagamentos regulares, sem arcar com o alto custo inicial de compra.
Existem dois tipos principais de arrendamento: o arrendamento operacional e o arrendamento financeiro.
Arrendar aeronaves é comum entre companhias aéreas de todo o mundo, pois permite expansão e renovação de frota com menor impacto no seu fluxo de caixa. Além disso possibilita uma maior flexibilidade para adaptar-se às variações de demanda e condições econômicas.
Os custos de arrendamento de aeronaves podem variar significativamente dependendo de fatores como o tipo da aeronave, idade, condição e demanda de mercado. Por falar em custo, novamente o Dólar está presente sugando capital das companhias aéreas brasileiras.
Uma vez que os contratos são todos atrelados ao Dólar, ele novamente é responsável por esta linha de custo.
O PREÇO DE UM LEASING
As aeronaves narrow-body, como o popular Boeing 737 que a Gol Linhas Aéreas possui em sua frota e o Airbus A320 que a LATAM Airlines e a Azul Linhas Aéreas possuem, geralmente têm um custo de arrendamento menor em comparação com aviões wide-body maiores, como o Boeing 777, também presente na frota da LATAM ou o Airbus A330 da Azul Linhas Aéreas.
Em média, as taxas de arrendamento de uma aeronave narrow-body nova podem variar de $200.000 a $400.000 por mês, enquanto um modelo mais antigo pode custar entre $150.000 e $250.000 por mês ( 250 mil dólares por mês ).
Esses custos são atraentes para as companhias aéreas que buscam flexibilidade sem o investimento inicial necessário para adquirir uma aeronave, como falamos é um negócio intensivo de capital para seu funcionamento, sobrevivência e alugar é a maneira mais inteligente.
Aeronaves wide-body, usadas comumente em rotas de longa distância, têm taxas de arrendamento significativamente mais altas devido à sua capacidade e alcance. Por exemplo, o arrendamento de um Boeing 787 ou umAirbus A350 mais novo, geralmente custa mais de $800.000 ( 800 milhões de dólares por mês ) enquanto modelos mais antigos, como o Boeing 777-200ER, podem custar entre $400.000 e $600.000 mensais.
Arrendar essas aeronaves permite que as companhias aéreas atendam a rotas internacionais de alta demanda mordendo assim uma fatia desse filé, sem que ela também tenha os custos associados à propriedade integral da aeronave e à depreciação de longo prazo.
Nos últimos anos, a dinâmica do mercado e fatores externos, como a pandemia do COVID-19 e a Guerra entre Russia e Coreia, influenciaram os preços dos arrendamentos das aeronaves comerciais.
Na foto podemos ver a quantidade de aeronaves estacionadas no deserto de Mojave, nos Estados Unidos. Quando as companhias aéreas devolvem esses aviões aos seus proprietários, por vezes não é possível encontrar um novo locatário, e a maneira de preservar-los até encontrar um novo locatário é enviando ao deserto, onde o clima é favorável e menos danoso para estrutura da aeronave.
Durante períodos de crise econômica, as companhias aéreas devolvem as aeronaves arrendadas muitas vezes antecipadamente a fim de gerenciar seus custos custos fixos, aumentando assim oferta de aeronaves no mundo e consequentemente reduzindo os valores dos contratos de arrendamento.
Momentos de crise são oportunidades para renegociar contratos ou arrendar aeronaves a preços mais competitivos dependendo do modelo escolhido pela empresa aérea. Por outro lado, quando a crise acaba e a demanda por viagens aumenta, também aumenta a procura por modelos novos e mais econômicos, o que eleva os preços dos arrendamentos.
As aeronaves são arrendadas através de contratos de longo prazo e a moeda é novamente o dólar. Além do Leasing para operar as aeronaves as companhias aéreas devem adquirir, peças de reposição, material para manutenção, efetuar manutenção especializada e outros serviços técnicos que muitas vezes são contratados de fornecedores internacionais e novamente precificados em dólar. Assim sendo, mais uma vez o dólar está na equação responsável por elevar os custos operacionais de uma companhia aérea.
FINANCIAMENTO E DÍVIDAS
Companhias aéreas frequentemente possuem grandes quantidades de dívida em dólar, especialmente para o financiamento de aeronaves e infraestrutura. Quando o real se desvaloriza frente ao dólar, o custo de pagamento dessas dívidas aumenta, pressionando ainda mais as finanças da companhia aérea.
HEDGING DE COMBUSTÍVEL E DÓLAR
Algumas companhias aéreas brasileiras utilizam estratégias de hedge para proteger-se contra a volatilidade do câmbio, comprando contratos futuros de dólar para tentar estabilizar esses custos, mas isso nem sempre elimina completamente o impacto das flutuações cambiais.
Para uma companhia aérea brasileira, o dólar é um fator essencial que afeta profundamente os custos operacionais, o financiamento de aeronaves, a manutenção, as receitas internacionais e até a demanda por voos. Flutuações no câmbio podem impactar diretamente a rentabilidade e a sustentabilidade financeira de uma empresa nesse setor.
SAZONALIDADE E MARGENS BAIXAS
A demanda pelo pela transporte aéreo sofre alterações ao longo de um ano, com mudanças das rotas, dos horários e das frequências com que os aviões operam determinadas rotas. Um exemplo disso são os voos em alta estação, existem rotas que são temporárias pois mante-las com a regularidade e frequência ao longo do ano certamente geraria prejuízos em função da baixa demanda daquela localidade. Então, existem rotas que são temporárias, rotas como São José do Rio Preto – Maceió, Prudente-Porto Seguro, Goiânia-Maceió, Campinas-Montevidéu e muitas outras.
Em países com invernos rigorosos, passagens frequentes de tufões ou furacões e outros fenômenos climáticos fora de controle, é comum que a demanda por voos caia drasticamente.
Nesses casos, as companhias aéreas comerciais precisam, muitas vezes, tomar decisões complexas e imediatas.
Primeiramente, é necessário avaliar o cancelamento de voos ou a reprogramação de toda a escala de trabalho, abrangendo tanto a tripulação técnica quanto a de cabine e pessoal de solo.
Além disso, os gestores ajustam a distribuição das aeronaves disponíveis, remanejando rotas e recalculando o número de funcionários necessários para manter a operação.
Esses ajustes, realizados pelos gestores das companhias aéreas, incluem a reavaliação constante da frota para assegurar que aeronaves, tripulações e funcionários estejam alocados de maneira eficiente.
Com isso, as companhias garantem a segurança e o bom funcionamento das operações, mesmo em condições climáticas desafiadoras.
Além disso, o setor de aviação comercial opera com margens historicamente baixas, com a média mundial variando entre apenas 2% e 5%.
Esse cenário restrito apresenta desafios significativos para a sobrevivência das companhias aéreas, pois oferece pouquíssima margem para erros ou eventos fora de controle humano.
Por exemplo, no Brasil, as companhias aéreas são fortemente impactadas por atrasos causados por condições meteorológicas.
Esses eventos, sendo aleatórios, fogem completamente do controle das empresas, mas ainda assim, elas sofrem penalidades rigorosas, que se somam às já apertadas margens de lucro e aumentam as dificuldades operacionais.
Essas circunstâncias revelam a complexidade em manter a rentabilidade e a viabilidade das operações aéreas, especialmente em países onde regulamentos adicionais afetam diretamente as companhias em casos de fenômenos naturais.
REGULAÇÃO
Em qualquer lugar do mundo o setor aéreo é extremamente regulado em função do envolvimento de riscos para sociedade e complexidade da operação . Vou citar abaixo algumas razões principais :
- Segurança de Voo – A Agência de Aviação Civil (ANAC) aqui no Brasil, a Agência Federal de Regulação ( FAA ) nos Estados Unidos, a A agência de Segurança de voo da União Europeia ( EASA ) na Europa, a Administração da Aviação Civil da China ( CAAC ) na China e outras mais, são todas agências governamentais que regulam o setor e tem como o principal objetivo a segurança das operações aéreas. Afinal, operar uma aeronave envolve altas velocidades, altas altitudes e tudo o mais que está atrelado a segurança da sociedade e o objetivo dessas agências circula em torno dos padrões de fabricação das aeronaves e todos os seus componentes, manutenção, treinamento dos pilotos e dos comissários e comissárias, protocolos de segurança e muito mais;
- Segurança Nacional – Enquanto os carros utilizam as estradas e seus acessos para se locomoverem, os aviões utilizam o espaço aéreo, e a analogia é a mesma. Os aviões necessitam cruzar espaços aéreos pertencentes a outros países, que por vezes não são signatários ou não tem relações amigáveis com o países que aquela aeronave represente, então é necessário coordenação adequada e um certo controle, por esse motivo está nas mãos do Governo essas atribuições.
Algumas dessas principais atribuições incluem a implementação de medidas de segurança para impedir atos terroristas, sequestros ou qualquer atividade com risco potencial para segurança operacional das aeronaves e pessoas, essas medidas estão todas contidas no anexo 17 da ICAO, que determina as boas práticas e o padrão internacional necessário. - Saúde Pública e Ambiente – Devido ao impacto ambiental do setor aéreo, as regulamentações abordam poluentes, emissões, poluição sonora e gestão de resíduos. A ICAO, Agência Internacional de Aviação Civil estabelece diretrizes para gerenciar e reduzir as emissões de CO2, enquanto outras exigem limites de poluição sonora, especialmente em áreas urbanas próximas a aeroportos. Além disso, padrões de saúde para saneamento a bordo e protocolos relacionados a pandemias como o do COVID-19 garantem a saúde dos passageiros e pessoal que trabalha no setor e controlam a propagação de doenças.
- Estabilidade Econômica e Defesa do consumidor – O setor aéreo desempenha um papel crucial na infraestrutura econômica, impactando o turismo, o comércio e os negócios. Governos regulam as companhias aéreas para proteger os consumidores contra práticas desleais, controlar estruturas de preços e garantir a concorrência justa desimpedindo a desleal, especialmente em mercados dominados por poucas companhias como é o caso aqui no Brasil. As agências podem intervir em casos de comportamento anticompetitivo, estabelecendo normas para reembolsos de passagens, atrasos, direitos dos passageiros e outros.
- Padronização Mundial – O transporte aéreo é um sistema global que exige padronização internacional para que todos possam operar sem problemas para segurança operacional. A ICAO foi criada para isso, ela facilita tratados e normas para a aviação que garantem que companhias aéreas de diferentes países possam operar juntas e com muita segurança. Isso inclui o estabelecimento de protocolos comuns de controle de tráfego aéreo, sistemas de navegação e normas de segurança, permitindo uma resposta coordenada a emergências e desenvolvimentos tecnológicos. “Todo mundo falando a mesma língua”
A regulamentação do setor aéreo de certa forma mantém a segurança, assegura a responsabilidade ambiental e promove a justiça econômica.
Devido à sua natureza internacional e à importância de ser defendida de falhas, o setor possui uma estrutura regulatória que é uma das mais extensas e rigorosamente aplicadas se comparada com qualquer outra indústria, adicionando custos para as empresas que fazem parte do setor.
CONCLUSÃO
Operar uma companhia aérea é uma tarefa extremamente complexa, devido à natureza interdependente de diversos fatores críticos que foi citado acima e impactam diretamente a viabilidade econômica e operacional de qualquer empresa.
Os altos custos são uma constante no setor aéreo, abrangendo desde o arrendamento da aeronave, sua manutenção, despesas com combustível de aviação, treinamento dos pilotos, comissários, mecânicos de aeronaves, despachantes operacionais de voo e todos pessoal de terra responsável pelo apoio enquanto a aeronave está sendo preparada para o voo .
Esses custos são particularmente elevados em tempos de aumento nos preços do combustível de aviação, disparidade do Real x Dólar.
Em períodos de alta volatilidade do petróleo, essas despesas podem comprometer severamente a lucratividade, especialmente porque as margens das companhias aéreas são tradicionalmente baixas.
Além disso, o setor é altamente regulado e precisa cumprir rigorosas exigências de segurança, estabelecidas por agências reguladoras como a ANAC.
Essas regulamentações são essenciais para garantir a segurança dos passageiros e a integridade das operações, mas exigem investimentos contínuos em treinamentos e melhorias operacionais constantes.
O não cumprimento dessas exigências pode resultar em penalidades severas e até mesmo em proibições de voos em determinados mercados, impactando diretamente a receita.
Outro desafio essencial é a demanda flutuante, que depende de fatores como sazonalidade, fatores meteorológicos, condições econômicas e eventos inesperados, como a pandemia de COVID-19, que fez a demanda global de viagens despencar.
Para ter sucesso nesse ambiente desafiador, as companhias aéreas que prosperaram conseguem manter uma gestão de custos eficaz com operações altamente eficientes, além de um atendimento ao cliente diferenciado, que é preponderante para a fidelização dos passageiros.
A adaptabilidade também se destaca como uma competência-chave, permitindo que as empresas ajustem rapidamente sua frota, rotas e preços de acordo com as condições de mercado.
Essa capacidade de resposta ágil aos desafios do setor é o que diferencia as companhias mais resilientes e bem-sucedidas das demais que não sobrevivem na aviação comercial.