Colisão com Pássaros em Voo: Desafios e Medidas Preventivas
A colisão com pássaros em voo, conhecido como bird strike no meio aeronáutico, são ocorrências muito comuns encontradas na aviação mundial.
Com o aumento do tráfego aéreo e da urbanização próxima a aeroportos, o risco de colisão com pássaros em voo aumentou bastante, trazendo preocupações para a segurança operacional das aeronaves.
Neste conteúdo técnico vou compartilhar alguns insights importantes sobre essas ocorrências e como podemos estar preparados afim de evitar e também como proceder após um evento desses.
Um pouco de história
Desde os primórdios da aviação, incidentes e acidentes envolvendo animais na pista ou pássaros em voo têm representado um desafio para pilotos. Um marco notável na história ocorreu em 7 de setembro de 1905, quando Orville Wright sofreu o primeiro registro conhecido de uma colisão entre uma aeronave e uma ave, hoje conhecido no meio aeronáutico como um bird strike.
Em menos de sete anos, em 3 de abril de 1912, o aviador Calbraith Perry Rodgers, primeiro a realizar um voo transcontinental nos Estados Unidos, se tornou a primeira vítima fatal de uma colisão com pássaros quando seu Wright Flyer colidiu com uma revoada de gaivotas em Long Beach, Califórnia, fazendo a aeronave perder o controle e cair no oceano.
Antes de seguirmos é importante lembrar que as aeronaves daquela época tinham estruturas frágeis e estavam mais suscetíveis aos danos causados pela colisão com os pássaros. Por outro lado a baixa velocidade que essas aeronaves voavam, entretanto, dava muito mais tempo para que o piloto pudesse evitar a colisão.
Contudo, com o avanço da engenharia aeronáutica, as aeronaves se tornaram mais robustas contra impactos, mas os riscos de colisões significativas ainda permanecem.
Um exemplo trágico foi o acidente de 4 de outubro de 1960, no Aeroporto de Boston Logan, onde um Lockheed Electra L188 se chocou com um bando de estorninhos europeus durante a decolagem, resultando em uma perda de potência que fez a aeronave cair, causando a morte de 62 das 72 pessoas a bordo.
O primeiro acidente da aviação comercial causado por Bird strike
Durante a decolagem, o Electra atravessou um bando de estorninhos, que foram sugados para os motores. Este evento crítico ocorreu em um momento em que a aeronave precisava ganhar velocidade rapidamente para sustentar o voo. Infelizmente, os motores danificados não forneceram potência suficiente, resultando na queda da aeronave. O acidente de 1960 foi o primeiro na aviação comercial dos Estados Unidos a revelar os graves perigos que colisões com pássaros representam para aeronaves turbopropulsoras. Posteriormente, os estorninhos ganharam o apelido de “balas emplumadas” devido à severidade dos danos causados por seus corpos pequenos e densos.
O desastre não só destacou a vulnerabilidade estrutural de turboprops, mas também abalou a confiança da indústria e do público no modelo Electra. Em resposta, a Lockheed interrompeu a produção do Electra em 1961, marcando um fim prematuro para o avião que já enfrentava críticas. Durante esse período de transição, as companhias aéreas começaram a incorporar aeronaves equipadas com motores a turbojato, como o Boeing 707, que estrearam entre 1958 e 1959. Esses “aviões a jato” rapidamente preencheram a lacuna, oferecendo maior eficiência e confiança tecnológica, consolidando sua dominância no setor de aviação comercial.
Esse episódio reforçou a necessidade de aprimorar medidas de segurança contra impactos de pássaros, incluindo o desenvolvimento de designs mais robustos e o monitoramento proativo de vida selvagem nos aeroportos.
Mudanças nas aeronaves
Esses incidentes impulsionaram mudanças no design das aeronaves, como reforços estruturais nas partes mais vulneráveis a impactos.
Em 1962, um Vickers Viscount colidiu com um bando de cisnes, causando a separação do estabilizador horizontal e a queda da aeronave. Após esse acidente, as autoridades reforçaram a estrutura do estabilizador para resistir a impactos de até 3,6 kg, priorizando melhorias na segurança estrutural da aviação.
Em um caso mais recente, o famoso pouso no Rio Hudson, em 2009, ocorreu após um Airbus A320 sofrer uma sequência de bird strikes simultâneos nos dois motores, levando o piloto a realizar um pouso forçado nas águas do rio. Felizmente, graças a sua tomada de decisão e gerenciamento todos a bordo sobreviveram e o comandante nos ensinou algo de muito valioso.
Embora as colisões com aves sejam a ocorrência mais comum, animais terrestres também representam riscos. Em 2015, um voo da SpiceJet em Jabalpur, Índia, colidiu com um grupo de javalis na pista, resultando em danos ao trem de pouso, embora sem feridos o evento chama a atenção para as possibilidades dessas ocorrências tambem solo.
Esses exemplos destacam o constante risco de colisões com aves durante o voo e com animais em operações de pouso, decolagem e táxi. Pilotos e operadores enfrentam desafios contínuos que exigem monitoramento rigoroso. Além disso, é essencial implementar adaptações no design das aeronaves e seguir procedimentos preventivos para proteger a segurança de passageiros e tripulações.
Recomendações do CENIPA
Essas colisões ocorrem com mais frequência durante decolagens e pousos, em baixas altitudes, onde as aeronaves estão mais vulneráveis a cruzar rotas de voo das aves. De acordo com dados do CENIPA, mais de 90% das colisões com aves registradas no Brasil ocorrem abaixo de 3.500ft de altura.
Embora a maioria dos incidentes não resulte em danos graves, há situações em que a integridade da aeronave e a segurança dos ocupantes são comprometidas.
A Importância da Identificação e Mitigação em Colisões com Fauna
A maneira mais eficaz de mitigação por parte dos operadores de aeroportos é representado pela figura abaixo.
Há consenso entre especialistas de que a severidade dos danos causados por colisões com fauna está diretamente ligada à massa total dos animais envolvidos. Esse fator é ainda mais crítico devido à tendência de muitas espécies formarem bandos, o que amplifica o impacto. Portanto, é essencial identificar as espécies envolvidas em cada colisão. Isso permite associar níveis de risco específicos a cada espécie, possibilitando ações preventivas eficazes, como dispersão, captura ou até abate, desde que devidamente autorizados.
Além disso, a massa total colidida afeta diretamente a continuidade do voo e é um aspecto considerado nos critérios de certificação das aeronaves. Regulamentos incluem exigências mínimas para resistir a colisões tanto com aves isoladas quanto com grupos. Assim, o cálculo da energia de impacto, baseado na velocidade da aeronave, na rotação do motor e na massa do animal, é essencial para prever os danos potenciais.
Um parâmetro importante na Avaliação do Risco de Fauna em Aeródromos é a severidade relativa. Este indicador compara o impacto de uma espécie em relação às demais, facilitando o planejamento de estratégias específicas de mitigação para espécies de alto risco. O uso de fórmulas específicas, como a da Figura abaixo, permite calcular a energia gerada pela colisão, orientando projetos de reforço estrutural em aeronaves e protocolos de segurança aeroportuária.
Severidade Relativa
Por fim, a severidade e a energia de impacto ressaltam a importância de medidas proativas. O monitoramento contínuo de espécies em aeródromos, aliado à rápida implementação de ações preventivas, é fundamental para reduzir riscos e garantir a segurança da aviação.
Consulte o Ranking brasileiro de severidade relativa de espécies de fauna acessando o link disponibilizado pelo CENIPA. A título de curiosidade o urubu-de-cabeça-preta é o primeiro no ranking!
Impacto na Aeronave e na Segurança de Voo
Colisões com pássaros representam um risco significativo, pois podem danificar motores e estruturas da aeronave. Um impacto pode comprometer turbinas de motores a jato, causando falhas graves ou redução de potência. Em situações extremas, isso pode forçar pilotos a realizar pousos de emergência para proteger a tripulação e os passageiros.
Além disso, o impacto no para-brisas, asas ou outras áreas críticas da aeronave pode comprometer seu desempenho, pois altera o funcionamento aerodinâmico da aeronave.
No caso famoso do voo US Airways 1549, o avião colidiu com gansos logo após a decolagem, causando a perda total de potência dos motores. O piloto realizou um pouso de emergência no Rio Hudson, conseguindo salvar todas as pessoas a bordo. Esse incidente destacou a importância de sistemas de prevenção e a habilidade dos pilotos em situações extremas.
Medidas de Prevenção e Gerenciamento
Para reduzir esses riscos, aeroportos e companhias aéreas adotam estratégias eficazes. Usam sistemas de radar para monitorar aves, tecnologias que detectam proximidade e dissuasores como sons e luzes.
Muitos aeroportos também trabalham em conjunto com biólogos e autoridades ambientais para identificar espécies locais e entender seus padrões migratórios, ajudando a prevenir encontros críticos.
Os engenheiros projetam e testam as aeronaves rigorosamente para resistir ao impacto de aves, especialmente nos motores e para-brisas, aumentando a segurança em voo.
Os pilotos, durante o planejamento, escolhem altitudes apropriadas para cada operação. Eles priorizam voar acima de 3.500 pés, já que 90% dos impactos de aves ocorrem abaixo dessa altitude, reduzindo os riscos de colisão.
Tecnologias Futuras e Práticas Sustentáveis
Com o avanço da tecnologia, novas soluções estão surgindo, como o desenvolvimento de sensores acústicos para identificar e rastrear aves em tempo real. Em suma, a colaboração entre aeroportos, fabricantes de aeronaves, pilotos e pesquisadores é essencial para minimizar os riscos de colisão com aves e melhorar a segurança operacional.
Preservar o ecossistema ao redor dos aeroportos é essencial para equilibrar a segurança da aviação com a conservação ambiental. Práticas de dissuasão devem minimizar impactos no habitat das aves.
E quanto aos pilotos ? O que fazer ? Conclusão!
É importante que estejamos familiarizados com o comportamento da aeronave que voamos para que toda ocorrência que possa alterar o funcionamento adequado de algum sistema possa ser perceptível no primeiro momento.
As ocorrências de Bird Strike estão atreladas a barulhos de impacto severo em função da energia cinética que vimos através da formula neste artigo. Loud Bang Noise, Very Loud Noise, Sudden Noise ou Loud Noise são termos presentes nos AFM, FCTM, SOP, MGO, MRO, QRH, OB e muitos outros manuais das aeronaves e que são indicativos de danos severos, Severe Damage, que por vezes podem ser oriundos de uma colisão com pássaros.